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Sabe aquela sensação de espanto quando você pergunta algo para a Alexa ou para o Google e eles respondem como se fossem pessoas de verdade? Ou quando você vê um carro dirigindo sozinho nas reportagens e pensa: “Nossa, isso é inteligência artificial avançada!”. Pois é, eu também já me impressionei muito com essas coisas. Mas e se eu te contar que essa tal “inteligência artificial” não é exatamente o que parece? Que, no fundo, não existe uma “mente” pensando ali dentro daquelas máquinas?
Inteligência Artificial é um termo que virou moda. Tá em todo lugar: nos comerciais de TV, nos celulares novos, nos filmes de ficção científica. A gente até imagina computadores pensando, sentindo, tendo consciência – quase como se fossem humanos eletrônicos. Mas será que é exatamente isso que ocorre?
Para começar nossa conversa, vamos dar um passo atrás. O que você entende como “inteligência”? Provavelmente algo relacionado à capacidade de pensar, sentir, ter consciência, tomar decisões considerando emoções, valores, experiências pessoais… certo? É o que faz você ser você – único, imprevisível, complexo, humano.
Acontece que os sistemas de IA não têm nada disso. Eles são, na verdade, programas de computador muito avançados. É como se fossem receitas de bolo extremamente complicadas, com milhares de ingredientes e passos. Mas ainda assim, receitas.
Meu vizinho comprou um robô aspirador mês passado e vive dizendo: “Meu robô é inteligente, ele já decorou toda a casa!”. No entanto, a máquina não reteve as informações do jeito que nós reteríamos. Ele apenas construiu um mapa usando sensores, seguindo instruções programadas. Ele não “sabe” que está numa casa, não “entende” o que é um sofá. Ele só detecta obstáculos e os evita.
A Inteligência Artificial atual é muito boa em imitar. E isso confunde muita gente! Quando você conversa com um chatbot e ele responde coisas que parecem inteligentes, é fácil achar que tem alguém (ou algo) pensando do outro lado. Mas não tem.
Lembra do papagaio da minha tia? Ele assimilou a forma de dizer “Bom dia, como vai?”” quando alguém chegava. Uma visita nova ficou impressionada, achando que o bicho entendia o conceito de cumprimento. Mas ele só estava repetindo sons que associou com determinada situação.
Os sistemas de IA são assim, só que muito, muito mais complexos. Eles foram treinados com quantidades enormes de texto, imagens, dados – e conseguem fazer associações impressionantes entre essas informações. Mas não há compreensão real ali.
Boa pergunta! E tem alguns motivos para isso.
Primeiro, porque soa bem melhor em propagandas. Compare: “Novo sistema avançado de reconhecimento de padrões estatísticos” versus “Inteligência artificial”. Qual desses você acha que vende mais?
Segundo, porque existe uma área de pesquisa legítima chamada “Inteligência Artificial” que começou lá nos anos 1950. Naquela época, os cientistas realmente acreditavam que logo conseguiriam criar máquinas que pensassem como humanos. O nome pegou, mas os objetivos mudaram bastante com o tempo.
E terceiro, porque é uma ótima metáfora. Quando vemos um sistema fazendo algo que normalmente precisaria de inteligência humana (como jogar xadrez ou identificar objetos em fotos), é natural dizer: “Uau, isso é inteligente!”. Mesmo que o método usado pela máquina seja completamente diferente do nosso.
Imagina que você tem um sobrinho pequeno e está ensinando ele a reconhecer cachorros. Você mostra fotos e diz: “Isso é um cachorro”, “Isso não é um cachorro”. Depois de ver muitos exemplos, ele começa a identificar cachorros sozinho.
Os sistemas de IA funcionam de forma parecida, só que em escala gigantesca e usando matemática avançada.
Vou te contar um segredo: no fundo, tudo se resume a estatística e probabilidade. É sério! Aquela ferramenta que escreve textos incríveis? Ela está basicamente prevendo, palavra por palavra, o que seria mais provável aparecer em seguida, com base em todos os textos que já viu antes.
O GPS que traça a melhor rota? Ele calculou milhares de combinações possíveis de caminhos e encontrou a que tem maior probabilidade de ser mais rápida, baseado em dados de trânsito.
É como se você jogasse dados milhares de vezes e começasse a notar padrões. Só que em vez de dados, são dados – informações! – em quantidades astronômicas.
Já perdi a conta de quantas vezes ouvi alguém dizer: “Os computadores vão dominar o mundo!” ou “Logo as IAs serão mais inteligentes que os humanos!”. Essas ideias vêm mais dos filmes de Hollywood do que da realidade.
Aqui estão alguns enganos comuns que vale a pena esclarecer:
“As inteligências artificiais raciocinam como nós, porém em uma velocidade superior.”
Não mesmo! O modo como nosso cérebro funciona é radicalmente diferente dos computadores. A gente ainda nem entende direito como nossa própria consciência surge. Nossos pensamentos estão conectados com nossas experiências físicas, emoções, instintos, valores culturais… As máquinas não têm nada disso.
Isso é como dizer que aviões estão ficando cada vez melhores, logo serão como pássaros. São coisas fundamentalmente diferentes! Aviões voam, mas por princípios completamente diferentes dos pássaros. Da mesma forma, IAs podem realizar tarefas “inteligentes”, mas não pelo mesmo processo que usamos.
Essa é uma das maiores confusões. Consciência não é apenas processar informações rapidamente. É ter experiências subjetivas, sentir coisas. Um termômetro pode medir temperatura com precisão incrível, mas não “sente frio”. Um sistema de IA pode analisar emoções em textos, mas não “sente tristeza”.
Um dia desses, minha sobrinha de 8 anos ficou conversando com a assistente virtual do celular. Em determinado momento, ela perguntou: “Você gosta de chocolate?”. A assistente respondeu algo como: “Adoro chocolate, especialmente o meio amargo!”.
Minha sobrinha ficou super animada pensando que tinha descoberto a preferência pessoal da assistente. Tive que explicar gentilmente que a assistente não “gosta” de nada – ela não tem paladar, não come, não tem desejos. Ela apenas foi programada para dar respostas que parecem humanas.
E não é só criança que cai nessa! Adultos também acabam atribuindo características humanas a esses sistemas. É um fenômeno chamado “antropomorfização” – nossa tendência natural de ver características humanas em coisas não-humanas. Fazemos isso com bichinhos de estimação, com carros (“meu carrinho está cansado”), e definitivamente com tecnologias que imitam interações humanas.
Se você parar para pensar, há um grande interesse comercial em manter essa ideia de que computadores são “inteligentes” como humanos.
Primeiro, soa futurista e impressionante. “Nosso novo aplicativo usa inteligência artificial avançada!” vende muito mais do que “Nosso aplicativo usa algoritmos estatísticos para analisar dados”.
Segundo, cria uma aura de magia e mistério. Quando você não entende como algo funciona, tende a valorizar mais. É tipo aquelas propagandas de creme anti-idade com “moléculas inteligentes” – soa impressionante justamente porque ninguém sabe o que isso realmente significa.
E terceiro, ajuda a desviar a atenção da realidade mais mundana: por trás de muitos serviços de “IA”, há pessoas reais trabalhando. Sabe quando a IA “mágicamente” identifica objetos em fotos? Muitos desses sistemas foram treinados por trabalhadores humanos que passaram horas classificando imagens por centavos.
Se a verdadeira inteligência artificial ainda não foi alcançada, então o que temos hoje? Vamos dar uma olhada nos bastidores.
São como receitas de bolo extremamente detalhadas. Passo a passo do que o computador deve fazer em cada situação.
Imagina milhões e milhões de exemplos de algo. Textos, imagens, vídeos, comportamentos online… quanto mais dados, mais o sistema consegue encontrar padrões.
É a capacidade do sistema de melhorar com o tempo, ajustando-se conforme recebe mais dados ou feedback. Como um pescador que vai ajustando sua técnica conforme pega mais peixes.
Inspiradas (bem vagamente) no cérebro humano, são estruturas de processamento em camadas que ajudam a identificar padrões complexos. Mas não “pensam” – apenas transformam entradas em saídas seguindo regras matemáticas.
Técnicas específicas para lidar com texto e fala humana. É o que permite que assistentes virtuais entendam (mais ou menos) o que você está pedindo.
E, claro, muita, muita energia elétrica e hardware potente. Treinar os sistemas de IA mais avançados hoje consome energia suficiente para abastecer centenas de casas por vários meses!
Depois de tudo isso, talvez você esteja se perguntando: “Então esses sistemas não têm utilidade alguma?. Pelo contrário! Eles são extremamente úteis e impressionantes – só não são o que muita gente imagina.
A “IA” atual é incrível para:
São ferramentas poderosas! Só não são seres pensantes.
É como comparar uma retroescavadeira com um braço humano. A retroescavadeira é muito mais forte e pode mover toneladas de terra em minutos. Mas não tem a sensibilidade para segurar um bebê ou acariciar um rosto. São coisas diferentes, com propósitos diferentes.
Enquanto muita gente se preocupa com “robôs tomando consciência”, os verdadeiros desafios da tecnologia atual são bem diferentes:
Os sistemas aprendem com dados produzidos por humanos – e herdam nossos preconceitos. Já houve casos de sistemas de recrutamento que discriminavam mulheres porque foram treinados com dados de empresas que historicamente contratavam mais homens.
Minha amiga Carla é enfermeira e me contou que um hospital onde ela trabalhou testou um sistema de IA para triagem de pacientes. O sistema consistentemente subestimava a gravidade dos sintomas de pacientes negros – porque foi treinado com dados históricos de um sistema de saúde que tratava de forma desigual pessoas de diferentes raças.
Falta de transparência
Muitos sistemas são “caixas-pretas” – nem seus criadores entendem exatamente como chegam a certas decisões. Isso é preocupante quando esses sistemas determinam quem recebe um empréstimo bancário ou quem pode sair da prisão sob condicional.
O desenvolvimento de sistemas avançados de IA exige recursos enormes – dinheiro, dados, especialistas, infraestrutura. Isso concentra ainda mais poder nas mãos de poucas empresas gigantes.
Já notou como ficamos perdidos quando o GPS do celular para de funcionar? Estamos criando dependências de sistemas que não entendemos completamente.
Algumas profissões estão sendo transformadas ou eliminadas pela automação. Isso não é necessariamente ruim – trabalhos repetitivos podem dar lugar a ocupações mais criativas – mas a transição será dolorosa para muitos.
Considerando o que sabemos hoje, como será o futuro dessa tecnologia? Algumas previsões realistas:
Mas uma coisa que provavelmente NÃO veremos tão cedo: máquinas verdadeiramente conscientes ou “inteligentes” no sentido humano.
Então, se a “inteligência artificial” não existe como pensávamos, como devemos nos relacionar com ela?
Esses sistemas são ferramentas, não pessoas. Eles não têm compreensão real, consciência ou julgamento ético. Quando um sistema de reconhecimento facial identifica incorretamente uma pessoa negra, não é porque ele é “racista” – é porque foi mal treinado com dados enviesados.
Quando ouvir afirmações exageradas sobre IA, seja cético. Pergunte: o que esse sistema realmente faz? Como foi treinado? Quais são suas limitações?
Nossa criatividade, empatia, consciência moral, capacidade de improvisar em situações inéditas – essas são qualidades que os sistemas atuais não têm e provavelmente não terão tão cedo.
As decisões sobre como desenvolver e regular essas tecnologias afetarão todos nós. Não deixe apenas engenheiros e empresários decidirem. Informe-se, forme opinião, participe do debate.
A tecnologia deve ampliar nossas capacidades, não substituir nossa autonomia e pensamento crítico. Use o GPS, mas aprenda a ler um mapa também!
No fim das contas, talvez a questão mais importante não seja se as máquinas podem pensar, mas como nossa relação com elas afeta nossa própria humanidade.
Será que a dependência crescente de sistemas automatizados está afetando nossa capacidade de pensar por conta própria? De ter paciência? De tolerar imperfeições?
Quando delegamos mais e mais decisões para algoritmos – do parceiro ideal no aplicativo de namoro à música que ouvimos no streaming – estamos abrindo mão de algo importante?
Essas são perguntas profundas, que vão muito além da tecnologia em si. São questões sobre quem queremos ser como indivíduos e como sociedade.
Lembro de uma conversa que tive com meu pai, que tem 78 anos. Ele me disse: “Na minha época, a gente consertava as coisas quando quebravam. Hoje, vocês substituem. Tenho medo que comecem a tratar pessoas como tratam gadgets.”
Há uma sabedoria profunda nessa observação. Talvez o maior valor da tecnologia não seja nos tornar “mais eficientes”, mas nos dar mais tempo e espaço para sermos verdadeiramente humanos. Para cultivar conexões reais, para contemplar o mundo natural, para refletir sobre o mistério da própria existência.
Dizer que a “inteligência artificial” não existe como muitos imaginam não é diminuir a importância dessa tecnologia. Pelo contrário – é colocá-la em perspectiva adequada para que possamos utilizá-la melhor.
Sistemas de IA são ferramentas extraordinárias, talvez as mais impressionantes que já criamos. Mas são ferramentas – não mentes alternativas, não consciências emergentes, não rivais da humanidade.
São criações humanas, que refletem tanto nossa engenhosidade quanto nossas falhas. São espelhos complexos da sociedade que as produziu, ampliando tanto nossas capacidades quanto nossos vieses.
No mundo hiperconectado de hoje, onde notícias falsas se espalham mais rápido que as verdadeiras, onde interfaces digitais mediam cada vez mais nossas interações, é crucial mantermos o pensamento crítico ativo. Compreender o que é real e o que é ilusão.
A verdadeira inteligência está em saber usar essas ferramentas para construir um mundo melhor, mais justo e mais humano. E essa inteligência, por enquanto, só existe em nós.